2008/03/18

Da obediência e da cegueira

Segunda-feira, Março 17, 2008
retirado do blog de JMAlves - Terrear

Era uma vez um mestre que tinha vários discípulos. Estes veneravam-no e seguiam escrupulosamente todas as suas instruções.

Um dia, o mestre decidiu que era tempo de ir ensinar noutras aldeias. Acompanhado pelos seus fiéis alunos, fez-se à estrada, sentado num carro puxado por dois bois. Ao fim de algumas horas, o mestre, sentindo-se cansado, instalou-se confortavelmente no fundo da carroça e disse aos discípulos:

— Meus amigos, vou dormir um pouco. Tomai conta da minha bagagem. Sede vigilantes e observai atentamente tudo o que cair.
Os discípulos anuíram e ele adormeceu tranquilamente. A dada altura, a carroça embateu numa rocha e a cabaça do mestre caiu. Os alunos arregalaram os olhos e viram a cabaça dar um salto e cair num fosso. Observaram-na sempre com a maior atenção.

Quando o mestre acordou, perguntou se estava tudo bem.
- Está tudo bem, mestre — responderam. — Acontece que a tua cabaça caiu.
- E vocês não a apanharam? Onde vou agora pôr a minha água?

Os discípulos responderam:
— Mestre, disseste-nos para vermos bem o que caía da carroça e assim fizemos.
— Sois mesmo néscios — replicou o mestre. Não era isso que eu queria dizer, mas o que está feito, está feito. A partir de agora, se alguma coisa cair no caminho, apanham-na e põe-na de novo na carroça, perceberam?

— Sim, mestre — responderam todos em uníssono.

O mestre acabou por adormecer de novo. A carroça balançava de um lado para o outro, e os alunos sentiam dificuldade em manter os olhos abertos. Subitamente, a carroça parou, devido às necessidades dos bois. Quando estes terminaram, a marcha foi retomada. Dois discípulos saltaram imediatamente para a estrada e apanharam os dejectos para os meter na carroça. Um dejecto caiu sobre a cabeça do mestre, que acordou.

— Que estais a fazer? Que porcaria é esta?
— Mestre, disseste-nos para apanharmos tudo o que caísse no chão.

O mestre ficou silencioso por instantes. Decidiu fazer uma lista minuciosa do conteúdo da carroça e deu-a aos discípulos.
— Se alguma destas coisas cair do carro, recolhei-a. Mas só o que esta escrito na lista.
— Sim, mestre — concordaram os alunos.

Algumas horas mais tarde, o mestre voltou a adormecer. A carroça começou a subir uma encosta íngreme, ladeada por um riacho. Os discípulos, ensonados, iam encostados uns aos outros. De repente, ouviram um grande ruído: o mestre tinha caído à água.

— Socorro, socorro — gritava.

Os discípulos pegaram na lista e percorreram-na escrupulosamente. Era uma lista muito completa, mas o nome do mestre não constava dela. Decidiram, assim, retomar o caminho. Ao vê-los afastarem-se, o mestre gritou:

— Onde ides? Parai imediatamente!
Os alunos, obedientes, pararam imediatamente e foram ao encontro do mestre.
—Estais loucos? Quereis verdadeiramente que eu morra? Caio da carroça, quase me afogo e nenhum de vós me vem socorrer?
—Mas, mestre — desculparam-se — não tínheis incluído o vosso nome na lista e nós só devíamos apanhar o que lá estivesse escrito. Quisemos apenas obedecer-vos.
— Claro que me obedeceis! — gritou o mestre, exasperado. — Mas fazei-lo sem reflectir! Pensai antes de agir, em vez de seguirdes cegamente o que eu faço ou vos digo para fazerem!

Os discípulos, um pouco envergonhados, ajudaram-no a subir para a carroça. O mestre decidiu, então, ensinar os seus alunos a reflectirem mais.

Bela metáfora sobre o que se (não) passa.
Posted by JMA at 10:45 AM

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